quarta-feira, 16 de abril de 2008

A Minha Maratona...


Escrever sobre a Maratona de Londres não pode começar de outra forma que não por salientar o fantástico evento desportivo e humano que esta prova é. Uma organização sem mácula, uma energia humana como poucos eventos conseguem atingir, um conjunto de voluntários genuinamente envolvidos e simpáticos (ainda recordo o sorriso de uma assistente, várias horas antes da prova, a desejar-nos boa sorte no caminho para a partida...) e um público “do outro mundo” a assistir, aos milhares ao longo de praticamente todo o percurso. Tinha o meu nome gravado na camisola e ele foi chamado (gritado, cantado... ouvi de tudo) centenas de vezes. Chegou mesmo a comover-me, pelo entusiasmo altruísta que revelavam tais incentivos: não havia outra resposta de agradecimento que não fosse ir até ao fundo das forças e continuar a puxar! Durante cerca de 30-45 minutos choveu “a potes” e estava frio... e eles não arredavam. A habitual timidez e espírito introvertido dos ingleses (pelo menos quando abstémicos) ficaram em casa ontem...! Que espírito...

Tendo participado na maratona de Boston, considerada a “rainha das Maratonas”, posso dizer que o evento em Londres é em quase tudo comparável. Talvez em Boston com mais “abertas” de público durante o percurso (pois passa por mais estradas de campo) mas com bastante mais público na parte final (já na cidade), em grandes bancadas montadas para o efeito. A diferença para mim, para além do facto de em Boston ter acabado perfeitamente exausto, é que lá não tinha o meu nome na camisola. Faz diferença! Dois pontos menos positivos deste evento (até por comparação com Boston): a quase ausência de Portugueses, quer entre os corredores (não detectei nenhum e levava a nossa bandeira gravada nas costas, pelo que teria tido um comentário se passasse por alguém) quer entre o público (de entre as centenas de “go, Pedro!”, em nenhum ouvi um sotaque lusitano); e também a partida, que é lenta, o que quase inviabiliza um recorde pessoal, para quem poderia andar lá próximo.

O Luís já descreveu parte da nossa corrida... De facto senti-me bem desde o início. O que estranhei, pois todo o período de treino e sobretudo as últimas 3 semanas foram desencorajantes, com muitos poucos treinos em que me senti leve e a evoluir. Apenas como exemplo, em Mafra (apenas uma semana antes desta prova) foi-me completamente impossível correr mais rápido que a 4:25-4:30 (não conseguia acelerar, simplesmente) e acabei cansadíssimo... depois de apenas 15 km. E há duas semanas (Domingo), em Aveiro, tentei correr e estava tão “pesado” que apenas fiz um jogging de 30 minutos. Daí que, nestas semanas, optei por praticamente apenas descansar (para frustração do meu “treinador” Galego), pois cria que só assim o cansaço muscular acumulado (que para mim, ainda vinha de Florença, em Novembro) poderia amenizar, talvez ainda a tempo de “aproveitar” as adaptações ao treino que foi sendo feito desde Dezembro. Parece que a estratégia resultou, ainda que a minha percepção não tivesse sido essa...!

Tínhamos assim decidido, eu e o Luís, correr para 3h10, o que qualificaria o Luís para Boston. Na minha mente, eu nunca iria baixar das 3h00 e correr ao lado do Carlos (teria adorado fazê-lo) seria sempre muito difícil para mim, dada a grande diferença de “passo de conforto”. Por isso marquei o “compasso” (ajudado pelo GPS) para o passo inferior a 4:20 e lá fomos, eu e o Luís, depois dos abraços de boa sorte iniciais entre todos (e outros rituais fisiológicos por parte de alguns atletas da GAFE, que me dispenso de incluir neste fórum... digamos que envolvem garrafas de água!). Os primeiros kms foram lentos, por entre a multidão, tendo terminado os primeiros 5 km a ritmo de 4:38. Depois lá acertámos o ritmo e o meu GPS marcava sempre 4:18-4:20. E assim fomos até perto da meia-maratona. O Luís parecia cansado e manifestou desde cedo algumas dificuldades motoras (começou a prova praticamente a coxear, o que me assustou um pouco) mas fomos juntos até aos 20 km aproximadamente. Mais concentrados do que descontraídos, mas ainda assim apreciando o espectáculo que são estes eventos, visto por dentro. Mais homens que mulheres. Muitas pessoas a correr para caridades diversas. Algumas pessoas com deficiência motoras (p.ex., amputados, a correr com pernas artificiais). Algumas bandas de música. Guerreiros Masai a correr pela sua causa. Muito público! O Luís já me tinha para ir embora mas eu não estava convencido que o queria fazer e por isso ia olhando para trás com frequência para me certificar que ele vinha comigo. A certa altura olhei para trás e percebi que ele não vinha por perto. Começou então a chover, cruzei a meia (1:33:48) e o frio e chuva “obrigaram-me” a acelerar... Sentia-me bem. Gosto de correr em competição com chuva. Dá-me um incentivo extra para aquecer e quase sempre desperta o “competidor” em mim... cerra-se os dentes e vamos mesmo para a frente, com a chuva a bater na cara! Fiz os 5 km seguintes em 4:06 e depois em 4:12, os meus melhores 10 km da prova. A chuva caía forte nessa altura e ficou também mais frio. Mas com o chapéu a proteger os olhos da chuva e o público a puxar – cheguei a sentir pena deles, tal era a chuva e frio – foi simultaneamente um difícil mas muito especial momento de prova. Na verdade, mesmo com o público a puxar, sente-se que nada ajuda naquele momento a não ser a nossa própria resistência física e mental. Só há um caminho a percorrer em momentos assim... e não é para trás nem é parar! A chuva passou de seguida (pelos 30 km), o equipamento secou e então viria, pensava eu, a parte mais difícil... Sinceramente pensava que iria ter de abrandar o ritmo. Mas consegui manter o passo de 4:15 até ao fim, com dificuldade, que é inevitável, mas nunca em grande sofrimento. Não se compara com o que sofri noutras provas para manter passos bem mais lentos na parte final. Sem ter bem noção do tempo acumulado que estava a fazer, houve alturas em que pensei poder estar a passo para 3h00. Mas nas últimas milhas fiz umas contas e percebi que mais uma vez ficaria um pouco aquém. Mesmo assim puxei até ao fim (penso que, depois da meia, apenas um corredor me ultrapassou – e era claramente um “elite” que vinha a passear/treinar, tal a sua velocidade) e soube-me muito bem fazer algo que raramente faço – acelerar para a meta. Sem ninguém ao meu lado (acho algo ridículos sprints entre “corredores de pelotão”, no final de maratonas), mas porque me sentia bem. E porque sabia que estava no minuto 3:02... e preferia terminar neste que no minuto seguinte!

Vi agora que terminaram a prova cerca de 34,400 atletas. A minha posição foi de 1268 na classificação geral (cerca de 96% dos participantes terminaram depois de mim). No meu grupo de idade (M35-40), terminei na posição 318 de entre 4364 que terminaram (ou seja, percentil 93%). O 1º do meu grupo terminou com 2h11 e o último com 8h17. Incrível em ambos os casos, embora por razões diferentes...

Os minutos que se seguem a terminar uma Maratona são sempre incrivelmente especiais. Há lágrimas que querem sair, provavelmente como resposta do corpo-mente a um misto de alívio (e pena!) por ter acabado, orgulho e satisfação por se ter conseguido, exaustão física e dores musculares, e um forte sentimento de comunhão com outros (corredores, público e voluntários). Desta vez as lágrimas não saíram, mas esteve perto... É tempo para muitos abraços, apertos de mão e sorrisos de parabéns genuínos trocados entre pessoas que nunca vimos antes nem nunca mais veremos. E para a foto oficial final, já com a medalha, à frente de um cartaz da prova. Estive sozinho largos minutos neste estado, a ver outros a acabar a prova e a saborear o momento... A pensar que foi exactamente para este momento que todo o treino se fez. Impossível não relacionar agora este momento com a teoria de que, como seres humanos, temos três necessidades básicas para funcionar ao nosso melhor e sentirmo-nos integrados e felizes: autonomia (sermos nós a comandar uma boa parte do nosso destino), competência (em algumas áreas da nossa vida, pelo menos) e comunhão relacional. Não tenho dúvida que as três foram evocadas durante este evento (e também na sua preparação), o que ajuda a explicar a profunda satisfação e tranquilidade que se sente.

Fazer uma Maratona é semelhante a passar por um ritual de sacrifício físico, de entre os muitos que a nossa espécie criou e usou ao longo dos tempos. Sai-se mais forte do outro lado e o significado de estar vivo (por vezes não sabemos se vamos resistir...) fica mais aparente. E é um desafio provavelmente também semelhante a escalar uma montanha dura, até ao topo. Porquê fazê-lo?! Porque está lá (em “cima”). Nós estamos aqui (em “baixo”). Será que conseguimos “lá” chegar...? O que vamos sentir? Infinitamente curiosos os seres humanos. Acerca do que está para além. E acerca de nós próprios, da nossa natureza e dos nossos limites.

Uma última palavra para os companheiros da GAFE. Não são precisas muitas palavras, de facto. Não poder partilhar tudo isto com eles diminuiria grande parte do seu significado e isso diz quase tudo. Agradecer também não se adequa... Somos “parceiros de viagem” e a entreajuda, o respeito e a amizade são as notas dominantes, sem nenhum sacrifício, dádiva ou dívida. Neste grupo, como em tantos, é necessário um balanço delicado entre as metas individuais e as metas colectivas. E cada “equilibra-se” o melhor que sabe e é capaz. Embora o “equilíbrio do conjunto” que (naturalmente) se atinge seja muito saudável, é justo reconhecer aqueles de nós que zelam por este balanço com mais especial carinho e dedicação. Em particular o nosso Presidente Carlos, verdadeiro pilar e farol da GAFE, qual capitão de equipa de Taça Davis! Com um talento natural para encontrar o compromisso saudável e persuadir-nos de forma irrecusável na direcção do melhor caminho para todos. E tão felizes que todos ficámos por ter atingido (por 7 segundos!) a sua marca de qualificação para Boston 2009. Merece mais que ninguém. E também o nosso Escriba Bento, dotado de outros talentos, com inspiração de poeta e a palavra afiada de um cronista, sempre atento aos pormenores da equipa, sempre presente e sempre positivo. Incansável na sua dedicação “à causa”. (E também autor da minha expressão favorita sobre corrida, à minha pergunta “Porque corres, Bento?”... Resposta: “É o controlo total...!”). Um abraço também ao irreverente Cabeça, pessoa tão original como amiga, que nos aquece com o seu humor, discreto mas muito refinado. Outro ao nosso Buda Oliveira, que nos acalma com a serenidade e a sabedoria de quem corre para outras “corridas”. Outro ao Luís, competidor nato, que nos ensina e “empurra” para a frente com a sua determinação e grande capacidade de sofrimento. Ao Elvis (grande treinador!), Paulo (devagar se chega longe e o Paulo não é homem que desista...), Barrigas e António Luís desejo que nos possam acompanhar no futuro nestas andanças... E não é desejar pouco!! E... quase me esquecia, o mesmo desejo para a Ana! Quem sabe se Berlim em Setembro será o magnífico palco para novas internacionalizações GAFE...?! Eu conto estar.

Completar as 5 provas que integram as “World Marathon Majors” (o “Grand Slam” da coisa) – Boston, Londres, Berlim, Chicago e Nova Iorque – passou a ser uma meta. Já só faltam três. Numa delas gostava de baixar das 3h. Noutra gostava de “conseguir” correr sem relógio e sem preocupações de tempo. E na última... Bom, o objectivo para a última destas maratonas reservo apenas para mim...!


Continuemos a CORRER...

Pedro Teixeira

P.S. – AQUI fica um registo analítico das nossas provas, para os mais interessados...

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